Criada em 30/10/2024 às 09h23 | Agricultura

Bicentenário da imigração alemã e seus impactos no AGRO

No total, cerca de 250.000 alemães chegaram ao longo de mais de um século, deixando sua marca na agricultura e trazendo consigo o conhecimento das rodas de água e moedores com os quais beneficiaram a farinha e o óleo, entre outros.

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Bicentenário da imigração alemã e seus impactos no AGRO. (foto: Divulgação)

Em 2024, comemoram-se os 200 anos do primeiro movimento organizado de imigração alemã para o Brasil. Os reflexos desse longevo intercâmbio são verificados em várias áreas da sociedade, com destaque para o setor agrícola, que se beneficiou da expertise germânica em lidar com o solo, oferecendo clima mais favorável e vastas porções de terras férteis.

No contexto do século XIX, Dom Pedro I se via pressionado como príncipe herdeiro do Brasil, enquanto Portugal cobrava seu retorno e movimentos republicanos nacionais contestavam a monarquia. Para ocupar um país de dimensões continentais, e ao mesmo tempo defender o território de investidas, o Ministro José Bonifácio, figura chave da Independência e conselheiro do príncipe, concebeu um plano juntamente com a Princesa Leopoldina e o médico alemão Georg Anton Von Schaeffer, que fundara espontaneamente uma colônia na Bahia poucos anos antes.

A ideia consistia em oferecer a cada família 77 hectares de terra, além de apoio financeiro por dois anos, cabeças de gado, sementes e equipamentos agrícolas para cultivo nas florestas tropicais brasileiras, com a condição de que os colonos fossem reservistas e, caso necessário, repelissem invasões. Com essa perspectiva, Von Schaeffer foi à Alemanha e, sobretudo na região norte, divulgou o potencial do distante e fértil Brasil. Num cenário de invernos rigorosos, colheitas ruins e devastação ainda presente por causa das guerras napoleônicas, várias famílias aceitaram a oferta e venderam seus bens para tentar nova vida na América do Sul.

Ao todo, 39 pessoas, de idades variadas, rumaram para os portos de Bremen e Hamburgo. Após 120 dias de navegação e outra dura jornada por terra, chegaram ao Rio Grande do Sul em julho de 1824. Apesar da viagem longa e cansativa, uma vez assentados, os colonos relataram, em cartas que foram preservadas, a satisfação com as propriedades que receberam. Essas mensagens foram recebidas por compatriotas que, nos anos seguintes, também fizeram o trajeto até o Brasil. Inicialmente, a barreira idiomática dificultou a comunicação com os moradores locais. O clima dos trópicos também representou uma novidade, com mais calor, insetos e umidade. O principal desafio era selecionar as madeiras adequadas para construção, aprender sobre o cultivo das plantas e limpar áreas adjacentes às moradias.

O historiador gaúcho Rodrigo Trespach, descendente dos pioneiros alemães, registrou em seu livro “1824” (Editora Citadel, 2023) os primeiros tempos de trabalho dos imigrantes e como, aos poucos, as dificuldades deram lugar a comunidades prósperas e autossuficientes. As famílias plantavam arroz e batatas, criavam porcos, vacas e galinhas, destilavam aguardente de cana-de-açúcar e celebravam seus respectivos eventos juntos.

Colonos deixaram legado duradouro

Mesmo com a rotina puxada, a maioria, em poucos anos, estava melhor do que seus familiares que ficaram para trás. Os agricultores alemães no Brasil acabaram por vender seus excedentes de produção, algo até então inédito. Antes, havia somente latifúndios com monoculturas: cana-de-açúcar, café e tabaco, todos destinados à exportação. Esses pequenos colonos foram os precursores da agricultura familiar, hoje tão importante no panorama do agronegócio brasileiro.

A partir de 1830, mesmo quando não havia mais subsídio do governo, os imigrantes alemães continuaram sendo bem-vindos. Além da forte presença no Sul, vieram trabalhar nos grandes cafezais de São Paulo e construir uma linha ferroviária para Petrópolis, no Rio. No total, cerca de 250.000 alemães chegaram ao longo de mais de um século, deixando sua marca na agricultura e trazendo consigo o conhecimento das rodas de água e moedores com os quais beneficiaram a farinha e o óleo, entre outros.

Atualmente, o vínculo entre os dois países segue forte. O alemão ainda é o segundo idioma mais falado no Brasil, principal parceiro germânico na América do Sul. A rota migratória, a bem da verdade, passou por uma inversão de fluxo: muitos brasileiros, principalmente descendentes dos pioneiros que aqui chegaram, tentam a sorte no país de seus antepassados. O legado deles é celebrado em festivais como Oktoberfest, realizado todo mês de outubro na cidade catarinense de Blumenau. Milhares de turistas prestigiam o evento, alavancando o comércio e celebrando hábitos e a culinária alemã, que inclui itens tradicionais como “cucas” (bolos de fermento), salsichas e chucrute.

A vinda dos alemães para o Brasil e seu êxito serviu de precedente para que, décadas depois, contingentes de outros países também aqui aportassem, a exemplo dos italianos e japoneses. Essas comunidades ajudaram a construir a identidade nacional e incrementaram a indústria, a agropecuária e a cultura. Fortes laços de amizade e colaboração se consolidaram entre o Brasil e esses países, num intercâmbio de tecnologia, descobertas científicas e relações comerciais.

A semente do hoje pujante agronegócio brasileiro foi plantada com a ajuda de povos trabalhadores e resilientes, como os alemães. (Da SNA)

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