Ana Laura Lima
DE BELÉM (PA)
Cientistas colocaram os sabores da Amazônia em balas de gelatina, bebidas mistas, barrinhas multifuncionais e salgadinhos. Todos sem conservantes, nutritivos, funcionais e prontos para o consumo. Eles são resultados de uma pesquisa da Embrapa que desenvolveu balas de gelatina de açaí, blends (sucos mistos prontos para consumo) com misturas de frutas nativas do bioma, snacks (salgadinho) à base de farinha de pupunha e mandioca e barrinhas multifuncionais de tapioca, castanha e açaí.
Os produtos estão prontos para o mercado. Mas o caminho da pesquisa foi longo, pois era preciso garantir ao consumidor que o alimento, além de saboroso, fosse rico em substâncias benéficas ao organismo e mantivesse essas características por muito tempo. Um deles é o blend de açaí, cupuaçu e acerola, que tem como diferencial os antioxidantes presentes no açaí, a vitamina C da acerola e o sabor marcante do cupuaçu.
A busca por uma bebida saudável e prática para o dia a dia foi o foco do trabalho da engenheira química Rafaella Mattietto, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental (PA), e da engenheira de alimentos Daniela Freitas de Sá, da Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ). A pesquisa resultou em dois blends, que são misturas de sucos prontos para o consumo, nos sabores açaí, cupuaçu e acerola; e taperebá (cajá), camu-camu e graviola.
Mattietto conta que buscou potencializar a parte nutricional de cada fruta presente na mistura, como o alto teor de vitaminas e as características funcionais. E ainda garantir a presença dessas substâncias no produto por um longo tempo. “É aí que está a pesquisa, pois não bastava apenas misturar os ingredientes e encontrar a combinação ideal, era preciso garantir que o produto mantivesse suas características por mais tempo, sem perder a nutrição, o sabor e a aparência”, conta.
Até chegar aos dois blends, as pesquisadoras testaram combinações com oito frutas nativas e exóticas da Amazônia. Na seleção inicial das frutas, buscou-se a presença de compostos bioativos, como vitamina C, carotenoides (provitamina A), antocianinas e compostos fenólicos. “Esses compostos vêm sendo estudados por seus efeitos benéficos ao organismo humano, como atuar como antioxidantes que combatem os radicais livres”, ressalta a cientista.
As pesquisadoras Ana Vânia Carvalho e Rafaella Mattietto.
(Foto Vinicius Kuromoto / Embrapa)
A etapa seguinte foi a modelagem de misturas para definir as proporções de cada fruta nos sucos. Nessa etapa foram considerados alguns indicadores, como o paladar, características antioxidantes, manutenção de antocianinas, compostos fenólicos e vitamina C. “Fizemos testes de proporção e doçura. Tudo isso em conjunto com a questão nutricional, porque não adianta ter um produto funcional e nutritivo, mas cujo sabor não agrade às pessoas”, destaca a pesquisadora.
Nas avaliações sensoriais com homens e mulheres de diferentes idades e regiões, ficou evidente, segundo a pesquisadora, a preferência pelas frutas amazônicas. “Quanto mais açaí na formulação, maior a avaliação positiva das pessoas”, revela. Os resultados mostraram que o blend de açaí, cupuaçu e acerola obteve mais de 80% de aceitação em relação a cor, sabor, aroma e impressão global.
As pesquisadoras Ana Vânia Carvalho e Rafaella Mattietto e a empresária
Joana Martins falam sobre a pesquisa e sobre importância de agregar
valor aos produtos da floresta
Alto teor de vitamina C
Mas foi no aspecto nutricional que esse produto teve destaque, afirma a especialista. O blend de açaí, cupuaçu e acerola é rico em antocianina (17,04 mg/100g), possui elevado teor de compostos fenólicos (226,56mg/100g) e 100 ml do suco possui cinco vezes mais vitamina C que a dose de ingestão diária para adultos recomendada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “É um produto conveniente, em função da sua praticidade de consumo, e atende um nicho de mercado cada vez mais crescente, de alimentos saudáveis e de sabores diferenciados do convencional”, conclui Rafaella Mattietto.
O sabor que vem da floresta
A diversidade de frutas é uma marca registrada da maior feira livre do Brasil, o complexo Ver-o-Peso, em Belém (PA). As cores, aromas e sabores encantam os consumidores paraenses e os turistas. A paraibana Vânia Costa diz que o açaí e o cupuaçu são as frutas prediletas dela e da família. Casada com um paraense, Vânia sempre que vem a Belém não deixa de levar a polpa de açaí congelada para manter o estoque que tem em sua casa, em Fortaleza (CE). “Nós gostamos bastante de açaí batido, suco de cupuaçu, doces e bombons de chocolate. Quando reunimos os amigos, costumamos confraternizar com o sabor paraense”, conta.
Mercado Ver-o-peso (Karla Farias / minube.com.br)
O chef de cozinha Thiago Castanho acredita que o potencial das frutas amazônicas para diferentes ramos da indústria é enorme. “Temos o exemplo do chocolate produzido aqui na Amazônia. Até pouco tempo exportávamos somente as amêndoas do cacau, hoje já existem pequenas indústrias trabalhando com esse fruto aqui mesmo, vendendo o nosso chocolate no mercado local e exportando com preço muito mais valorizado”, conta.
A feira do Ver-o-Peso é um retrato da Amazônia brasileira, bioma que abriga 44% da diversidade de frutas nativas do Brasil. São aproximadamente 220 espécies de plantas produtoras de frutos comestíveis com sabores marcantes e características nutricionais especiais.
“O sabor das nossas frutas é muito diferente até para nós mesmos”, brinca Castanho. Ele acredita também que colocar no mercado produtos mais valorizados a partir dessas frutas contribui para a manutenção da cultura local e dos povos da floresta.
Açaí em balas de gelatina
A pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental Ana Vânia Carvalho liderou a equipe que desenvolveu o estruturado de frutas, um processo de gelatinização da fruta processada. Essa tecnologia é a base das balas de gelatina ou de goma. O resultado foi uma bala de gelatina de açaí com o sabor e a propriedade antioxidante do fruto.
“Quando a gente pensou nesse produto, o objetivo principal era ter um alimento saudável, nutritivo, e que mantivesse as características sensoriais da fruta”, relata a pesquisadora. Outro ponto estudado foi a durabilidade das balas a partir de processos industriais, sem a necessidade do uso de conservantes químicos. “O açaí, por exemplo, dura muito pouco in natura, mesmo depois de processado. Na forma do estruturado, ele dura mais tempo”, completa.
Balas de gelatina de açaí. (Foto Vinicius Braga / Embrapa)
A nutrição, segundo a pesquisadora, é o grande diferencial das balas de gelatina de açaí em relação aos alimentos similares convencionais. “As balas mais difundidas no mercado são geralmente adicionadas de produtos químicos para dar cor, sabor e aroma, e o poder nutricional é praticamente nulo”, conta a pesquisadora. A bala de gelatina de açaí desenvolvida pela Embrapa, por sua vez, tem 1% de fibras alimentares, 57% de carboidratos, 9,5% de proteína, além de 271 quilocalorias por 100 gramas e é rica em antocianinas e compostos fenólicos, que são substâncias antioxidantes que combatem os radicais livres.
“Embora tenham ocorrido perdas na quantidade dos compostos fenólicos durante a produção do estruturado, os valores encontrados ainda são bastante elevados quando comparados a outros alimentos”, relata Carvalho. O teor de antocianinas presentes na bala de gelatina açaí é de 189,90 mg/kg, maior que o de sucos de uva, pitanga roxa e acerola.
Nos testes sensoriais com homens e mulheres de diferentes idades foram avaliados sabor, textura e impressão global sobre o produto. O resultado foi bastante positivo: 80% de aceitação nesses três aspectos por parte dos potenciais consumidores. “Não basta ser nutritivo, tem que ser saboroso e com boa aparência”, finaliza a especialista.
Snack de pupunha
A pesquisa da Embrapa desenvolveu um snack (salgadinho) produzido a partir das farinhas de pupunha e de mandioca. Rico em carotenoides e com alto teor de provitamina A, o salgadinho foi obtido por meio do processo de extrusão termoplástica.
Salgadinho produzido a partir das farinhas de pupunha
e mandioca. (Foto Vinicius Braga / Embrapa)
A pesquisadora Ana Vânia Carvalho explica que a extrusão termoplástica é um processo no qual a ação mecânica é combinada com o calor para gelatinizar o amido, permitindo criar novas texturas e formas para o produto final. “É um processo muito versátil e consolidado no mercado. O diferencial aqui é a utilização da farinha de pupunha na produção de alimentos práticos, como os cereais matinais e snacks”, declara.
A pupunha (Bactris gasipaes Kunth) é uma espécie de palmeira, nativa da Amazônia. Seus frutos geralmente são consumidos após cozimento em água e sal, podendo também ser utilizados na fabricação de farinhas para usos variados. A cientista ressalta que a pupunha é um alimento bastante nutritivo em razão do seu alto conteúdo de carotenoides (provitamina A), além de teores consideráveis de carboidratos, proteínas e lipídios.
Pesquisa para o mercado
A geleia de pimenta-de-cheiro (capsicum chinense) ou pimenta cumari do Pará é o carro-chefe da Manioca, uma pequena indústria de alimentos localizada em Belém (PA). A proprietária Joana Martins diz que os sabores região atraem profissionais da culinária e turistas de todo Brasil e de outros países. Grande parte do que produz na Manioca, como as geleias de açaí, tapeberá, muruci, cacau com cumaru, cupuaçu, além dos molhos e temperos com ingredientes amazônicos é vendida pela internet para todo o País.
Empresária Joana Martins é uma entusiasta da biodiversidade
amazônica. (Foto Vinicius Braga / Embrapa)
Martins é uma entusiasta da biodiversidade amazônica, em especial, das frutas. “As nossas frutas têm sabores exóticos e diferentes, são muito bem aceitas por turistas e chefs e ainda contribuem para manter a floresta em pé”, afirma a empresária.
Para ela, a pesquisa tem um papel fundamental tanto na produção agronômica quanto no mercado de alimentos. “Boa parte das nossas frutas ainda é pouco desenvolvida no campo da agricultura, da produção em escala. Sem a pesquisa, a gente não consegue ampliar a produção e fica limitado ao que a floresta nos fornece hoje de uma forma mais extrativa”, analisa. (Da Embrapa Amazônia Oriental)
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