Criada em 05/12/2024 às 17h04 | Agronegócio

CiCarne - O que significa um segundo mandato de Donald Trump para o agronegócio brasileiro?

O setor deve se adaptar às tensões geopolíticas, aproveitar a resistência dos EUA a exigências ambientais e fortalecer sua segurança alimentar, mantendo a inovação tecnológica e ampliando o acesso ao mercado de capitais.

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O que significa um segundo mandato de Donald Trump para o agronegócio brasileiro. Foto: Divulgação

Um segundo mandato presidencial de Donald Trump, por não ser novidade, deveria ser mais previsível, mas um cenário mundial diferente do anterior muda completamente o panorama. Para entender melhor o que podemos esperar, especialmente para o agronegócio brasileiro, conversamos com o Prof. Daniel Vargas, doutor em Direito pela Universidade de Harvard e professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Foi feito um esforço para que as perguntas cobrissem uma gama de tópicos relevantes, permitindo uma análise abrangente das implicações da vitória de Trump para o Brasil. O resultado foi uma longa entrevista com uma visão otimista, mas também com informações valiosas, como a garantia de abastecimento como uma nova “moeda” nas negociações com importadores e a necessidade do agro brasileiro se reinventar sempre. Essas reflexões ajudam a entender o momento e iluminam os caminhos a serem percorridos nos próximos quatro anos da administração norte-americana.


1. Tendência de Polarização Global:

A eleição de Donald Trump para um novo mandato de 2025-2029 mantém a tendência de polarização que observamos globalmente neste início de século. Quais seriam os motivos que dão força a essa tendência?

“Estamos vivendo um momento de transição na maneira como compreendemos os projetos de desenvolvimento dos países. Nos últimos anos, tornaram-se influentes no Ocidente dois projetos de futuro: o culturalista, que busca fortalecer grupos identitários, e o ambientalista, que valoriza os bens públicos ambientais. Ambos compartilham um ponto comum: a desconfiança no mercado. O futuro estaria em mudar a organização econômica, seja por intervenção ou regulação externa. Esse modelo impôs custos no mercado, afetando a competitividade e a qualidade de vida. Nos Estados Unidos, a eleição de Trump representa uma tentativa de romper com essas perspectivas, visando fortalecer a competitividade da indústria americana e reduzir o custo de vida.”


2. Isolacionismo e Protecionismo:

Trump adotou políticas isolacionistas e protecionistas, com a promessa de aumentar tarifas de importação. Até que ponto ele conseguirá implementar essas políticas sem enfrentar resistência interna?

“Durante seu primeiro mandato, Trump impôs tarifas, especialmente à China, o que gerou uma guerra comercial. A China respondeu, impactando os produtores rurais americanos e abrindo espaço para o Brasil, que expandiu a exportação de grãos. Trump prometeu intensificar essas tarifas, mas há diferenças no cenário atual. A China pode não reagir com a mesma força, e Trump poderá oferecer subsídios para amenizar os impactos nos produtores americanos. A tendência é que o agro brasileiro se beneficie no curto prazo, mas a guerra comercial gera incertezas que podem afetar economias emergentes.”


3. Impacto de uma Guerra Comercial:

Como uma possível escalada de guerra comercial entre os EUA e a China poderia impactar a economia brasileira?

“Uma tensão geopolítica entre os EUA e a China tem uma dimensão econômica e cultural. O Brasil, como aliado econômico da China, deve aprender a equilibrar sua relação com ambos. A tradição diplomática brasileira tem sido pragmática, mas agora será mais desafiadora. O Brasil deve explorar essas tensões como oportunidades de investimentos e produção. Nosso desafio é encontrar uma posição estratégica entre os EUA e a China, valorizando nossas relações comerciais com ambos.”


4. Perspectivas para a Agropecuária Brasileira:

Quais são as expectativas para o setor agropecuário brasileiro com o novo mandato de Trump?

“A vitória de Trump reflete um ceticismo com os padrões globais de reorganização do comércio com base em exigências ambientais. Os EUA resistirão a essas exigências, o que fragiliza os esforços globais de redefinir o comércio com foco em sustentabilidade. Para o Brasil, essa resistência pode ser uma oportunidade de projetar nossa produção, destacando as vantagens econômicas e ambientais de nossa agricultura tropical.”


5. Acordos Comerciais e Competitividade:

A posição de Trump contrária aos acordos multilaterais pode afetar o Brasil nas negociações comerciais internacionais?

“A tendência é um refluxo do multilateralismo, com uma expansão dos acordos bilaterais. Esses acordos devem garantir não só preço e qualidade, mas também segurança alimentar. O Brasil deve se apresentar não apenas como fornecedor de alimentos de qualidade, mas também como um parceiro estável e seguro, capaz de garantir a provisão alimentar, independentemente das tensões internacionais.”


6. Sustentabilidade e Meio Ambiente:

Como a postura de Trump em relação ao Acordo de Paris pode interferir nos esforços do Brasil para se posicionar como líder no combate às mudanças climáticas, especialmente na COP30?

“A chegada de Trump ao poder fragiliza a governança climática global. Caso ele retire os EUA do Acordo de Paris, a governança climática ficará ainda mais fragmentada. O Brasil deve mostrar que sua produção tropical é sustentável, contribuindo para a agenda climática com práticas alternativas, tecnologias e biocombustíveis. Ao focar no desenvolvimento sustentável e na segurança alimentar, o Brasil pode se projetar como um líder na COP30.”


Essas entrevistas revelam um olhar atento sobre os desafios e as oportunidades que o Brasil enfrentará durante o segundo mandato de Donald Trump, especialmente no setor agropecuário. A chave será a capacidade do Brasil de navegar com habilidade nas tensões geopolíticas e se posicionar como um líder seguro e sustentável no cenário internacional.

7. Investimentos Estrangeiros:

A vitória de Trump pode influenciar o fluxo de investimentos estrangeiros no setor agropecuário brasileiro? Alguns acreditam que a política fiscal de Trump pode levar a uma alta das taxas de juros nos EUA, com a migração de investimentos de mercados emergentes para os EUA. Seria esse o maior risco?

Ambiente em que Trump retorna ao poder:
O pacote anti-inflacionário do Presidente Biden, uma nova política industrial americana, já destina uma montanha de recursos para inovações nos modelos de produção no campo, incluindo melhoramento de sementes, melhor compreensão do solo, geração de dados e informações para aprimorar a capacidade de mensuração e gestão de risco, investimentos e seguros, e adaptação da agricultura americana às ameaças climáticas. Esse é o contexto da política de produção de alimentos nos Estados Unidos antes da chegada de Trump.

Com Trump, ele possivelmente reduzirá ou eliminará alguns dos condicionantes estabelecidos para acesso a esses recursos que estão alinhados a exigências ambientais ou culturais das quais ele discorda. No entanto, não parece que ele mudará o compromisso dos Estados Unidos com o fortalecimento competitivo do setor de produção de alimentos, com o investimento em novas tecnologias e o avanço dos instrumentos de crédito e seguros para fortalecer o setor produtivo.

Além disso, há um complexo industrial em torno da alimentação que também será fortalecido, com indústrias globalizadas no setor de transportes, tecnologia, engenharia genética de sementes e fertilizantes. As inovações nesse campo tendem a se espalhar pelo mundo via mercado, chegando a outros países como o Brasil.

Investimento direto no agro do Brasil:
Existem duas variáveis importantes aqui. Com a elevação das taxas de juros nos Estados Unidos e a crise internacional, há uma tendência de migração de investimentos para os EUA, desvalorizando a moeda brasileira e dificultando o acesso a recursos no Brasil. No entanto, o setor agropecuário brasileiro tem se destacado por ser um mercado de capitais ainda relativamente estreito. Isso é um desafio, pois seria necessário ampliar esse acesso para que o setor consiga avançar sem depender tanto de recursos públicos. Contudo, a situação atual não fragiliza o setor agropecuário, pois ele já é bem estruturado para buscar e gerar investimentos, muitas vezes por meio de autofinanciamento.


8. Sugestões de Estratégias:

Quais estratégias o senhor recomendaria para o Brasil mitigar possíveis impactos negativos e aproveitar as oportunidades que possam surgir com a administração Trump?

O setor agropecuário é naturalmente marcado pela volatilidade climática e de preços. Nas últimas décadas, conseguimos aprimorar nossa capacidade de produção, controlando essas volatilidades por meio de tecnologias, técnicas e muito empenho humano, além de mecanismos de mercado, com fontes de investimento público e privado, e regimes de cooperação e apoio aos produtores. Isso garantiu a estabilidade para investimentos de médio prazo e o crescimento da produção.

Agora, estamos enfrentando novos riscos, relacionados à dinâmica climática e à geopolítica. Como fizemos no passado, precisamos fortalecer nossa governança tropical e usar nossa inteligência para garantir que nossos interesses produtivos prevaleçam sobre essas volatilidades. Em relação ao clima, é uma prioridade para o Brasil abordar as ameaças climáticas como um desafio tecnológico, melhorando o melhoramento genético de sementes, o domínio das dinâmicas do solo e tornando o setor mais resiliente. Do ponto de vista econômico, é fundamental fortalecer os regimes de seguros internos e melhorar nossa habilidade diplomática para posicionar o Brasil como um bastião de segurança alimentar.


9. Mensagem aos Agropecuaristas:

Qual mensagem síntese o senhor gostaria de deixar para os agropecuaristas brasileiros em face das mudanças políticas e econômicas que podem surgir com o novo mandato de Trump?

Devemos ser realistas. Estamos entrando em uma era de novas tensões e incertezas, que geram riscos para todos os países, especialmente os em desenvolvimento. No entanto, não é a primeira vez que o setor agropecuário brasileiro enfrenta desafios. O agro brasileiro tem uma grande capacidade de adaptação, aprendizagem e evolução. A produção de 50 anos atrás era diferente da de 30 anos atrás, que por sua vez, era diferente da de 10 anos atrás e será diferente da de 10 anos à frente. Essa capacidade de se reinventar continuamente é um dos segredos do sucesso do setor e um exemplo para toda a economia nacional.

Minha mensagem é que, apesar das tensões e turbulências, vejo isso como uma oportunidade para o setor mostrar mais uma vez sua habilidade de superar desafios. Como dizia Maquiavel, a virtù é a capacidade de lidar com o imprevisto. Assim como um agricultor enfrenta uma tormenta, sabemos que, se construirmos um dique, podemos controlar os impactos das águas e proteger nossos bens, projetando nossas capacidades para o futuro. (Da Embrapa)

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