DANIEL MACHADO
DE BRASÍLIA
O MPF (Ministério Público Federal do Tocantins) e o MPT (Ministério Público do Trabalho identificaram que propriedades rurais na lista negra do trabalho escravo do Ministério da Economia podem estar abastecendo frigoríficos do Norte do Tocantins. O abastecimento não seria de forma direta, mas secundária – ou seja, através dos “fornecedores dos fornecedores” do gado para a indústria.
A informação foi confirmada ao Norte Agropecuário na noite desta quinta-feira, 18 de novembro, pelo procurador da República Thales Cavalcanti Coelho. “Verificamos que alguns frigoríficos da região norte do Estado tem adquirido gado bovino de fornecedores que constam na lista suja. Essas empresas têm bons sistemas de monitoramento de regularidade ambiental e de regularidade trabalhista de fornecedores diretos, mas há uma grande dificuldade de identificação e portanto de fiscalização dos seus fornecedores indiretos”, ressaltou o procurador.
Segundo ele, um dos grandes empecilhos na questão é a não publicização completa das guias de trânsito animal por parte da Adapec-TO (Agência de Defesa Agropecuária do Tocantins), o que resulta em violação ao artigo 156 decreto federal 5741/2006. “Esse artigo estabelece as regras de transparência para o sistema unificado de atenção à sanidade agropecuária”, explicou o procurador.
Para começar a solucionar o problema, o MPF instaurou, no dia 4 de novembro, um procedimento administrativo específico de apuração. O ato que informou a abertura desse procedimento foi publicado no Diário Oficial do MPF na quarta-feira, 17 de novembro.
O procurador explicou que a ideia do procedimento “é construir, junto com a própria Adapec, um modelo de transparência das guias de trânsito animal que cumpra as regras do decreto federal e da Lei de Acesso à Informação, mas que, por outro lado, preservem os dados sensíveis aos produtores rurais em atenção a Lei Geral de Proteção de Dados”.
Frigoríficos envolvidos
Questionado, o procurador não se aprofundou em quais sobre quais os frigoríficos do Norte do Estado que poderiam estar com esse problema. Ele garantiu, porém, que os frigoríficos que assinaram o TAC (Termo de Ajustamento e Conduta) com o MPF no Pará “têm bons sistemas de fiscalização de fornecedores diretos, sobretudo com relação ao desmatamento, e aplicam isso a todas as suas plantas, inclusive as daqui da região”.
Sobre o Tocantins especificamente, ele destacou que o Minerva foi alvo de inquérito civil, com bons resultados nos fornecedores diretos, mas que não alcançaram os fornecedores indiretos. “Com relação às plantas da nossa região, só posso falar do caso da Minerva, que foi objeto de inquérito civil aqui do MPF de Araguaína. Tem um bom sistema de fiscalização de violação de direitos humanos e desmatamento com relação aos fornecedores diretos. Mas não alcança os fornecedores indiretos”, destacou.
O Norte Agropecuário solicitou posicionamento da empresa citada acima, aos representantes dos frigoríficos e para a Adapec. o espaço está aberto caso queiram se manifestar.
Confira, abaixo, o texto do procedimento do MPF na íntegra:
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO TOCANTINS
##ÚNICO: | EXTRA-TO - PRM-AGA-TO-00006026-2021|
PORTARIA Nº 30, DE 4 DE NOVEMBRO DE 2.021
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, presentado pelo Procurador da República signatário, no uso das atribuições constitucionais e legais, e CONSIDERANDO:
(a)que chegou a conhecimento desta Procuradoria da República, por meio da Notícia de Fato n. 1.36.001.000192/2021-79, a não disponibilização, para consulta pública, pela Agência de Defesa Agropecuária (ADAPEC) do Estado do Tocantins, das Guias de Trânsito Animal por si emitidas;
(b)que referida situação representa, em tese, violação à regra de transparência de que trata o art. 156 do Decreto Federal n. 5.741/2.006, que organiza o Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária, prejudicando, ademais, o monitoramento, pelos órgãos de controle e pela sociedade civil em geral, do respeito aos direitos humanos na cadeia produtiva da indústria da carne; e (c)que incumbe ao Ministério Público Federal a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais, considerados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, relativos à administração pública direta, indireta ou fundacional, na forma dos artigos 127, “caput” e 129, incisos III, da Constituição da República, e artigo 5o., inciso II, alínea "h", da Lei Complementar n. 75/1.993;
RESOLVE, com fundamento no artigo 8o., inciso II da Resolução n. 174/2.017, do Conselho Nacional do Ministério Público, instaurar PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, com o objetivo de acompanhar e fiscalizar a adoção, pela Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Tocantins (ADAPEC/TO), das medidas necessárias ao cumprimento do dever de transparência previsto no art. 156 do Decreto Federal n. 5.741/2.006, inclusive mediante a disponibilização, para livre consulta pública por meio da rede mundial de computadores (internet), das Guias de Trânsito Animal emitidas.
DETERMINA-SE, inicialmente:
(I)o encaminhamento dos autos ao Setor Jurídico, para registro no âmbito desta Procuradoria da República no Município de Araguaína/TO;
(II)a afixação de cópia da presente Portaria no quadro de avisos desta Procuradoria, pelo prazo de 10 (dez) dias;
(III)a comunicação da instauração do procedimento à 1ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.
Designa-se a servidora Sara de Oliveira Carneiro, matrícula nº 26.147, para secretariar os trabalhos deste procedimento.
THALES CAVALCANTI COELHO
Procurador da República
Publicado nas páginas 30 e 31 do Diário do MPF do dia 17 de novembro de 2021
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