Criada em 15/08/2019 às 17h42 | Política brasileira

“Voltamos à estaca zero”, diz ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi ao criticar retórica agressiva do governo de Jair Bolsonaro

Tom do discurso da gestão põe em risco acordo com União Europeia, avalia Blairo Maggi. “O governo não fez nenhuma mudança aqui internamente, não facilitou a vida de ninguém, no entanto estamos pagando um preço muito alto. Acho que teremos problemas sérios”, disse, em entrevista ao Valor.

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Blairo Maggi: “Mais uma vez o agronegócio brasileiro apanha sem nenhuma mudança ter ocorrido de fato. Não mudamos os processos internamente” (foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil/Arquivo)

Ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento na gestão de Michel Temer, o agropecuarista, ex-senador e governador de Mato Grosso Blairo Maggi criticou a retórica do governo Bolsonaro e afirmou que alguns posicionamentos da gestão federal podem prejudicar a relação comercial do Brasil com o mercado internacional. “Como exportador que sou, lhe digo: as coisas estão apertando cada vez mais. Há anos o Brasil vinha defendendo preservação com produção, tínhamos avançado bastante, já tínhamos ganhado confiança do mercado, mas com esse discurso [do governo], voltamos à estaca zero. E aqui faço uma analogia: o Brasil tinha subido no muro e passado a perna para descer do outro lado, agora fomos empurrados de volta e para bem longe do muro. Não veja como crítica feroz, mas sim como um alerta”, disse, em entrevista ao jornal Valor Econômico

A declaração foi uma resposta à pergunta “A retórica do governo só desgasta a imagem do Brasil lá fora ou pode subir a régua de exigências para as nossas exportações de commodities agrícolas?”

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VERDADEIRA CONFUSÃO

Questionado sobre como via a reação negativa no cenário internacional ao discurso do governo Bolsonaro na área ambiental, Blairo Maggi foi contundente: “Uma verdadeira confusão. O governo não fez nenhuma mudança aqui internamente, não facilitou a vida de ninguém, no entanto estamos pagando um preço muito alto. Acho que teremos problemas sérios. Não tem essa que o mundo precisa do Brasil. Talvez precisem dos agricultores brasileiros em outros países, mas somos apenas um "player" e, pior: substituível. O mundo depende de nós agora, mas daqui a pouco se inverte e ficamos chupando dedo.”

Ele disse acreditar ainda que o Brasil poderá enfrentar fechamento de mercado. “Podemos sim ter fechamento de mercado. Temos uma relação muito complicada com a Europa. Para criarem mais mecanismos para dificultar a entrada de carne de frango ou outros produtos do Brasil, é dois tempos. E depois para levantar isso é muito difícil, todo mundo está vendo”, disse.

MERCOSUL-UNIÃO EUROPEIA

O ex-ministro também foi perguntado se considerava que “esse incômodo dos europeus com o discurso ambiental do governo chega a prejudicar de alguma forma o acordo Mercosul-União Europeia”. Sua resposta foi essa: “No acordo tem uma cláusula de precaução que permite que a Europa barre importações do Brasil. Essas confusões ambientais poderiam criar uma situação para a UE dizer que o Brasil não estaria cumprindo as regras. E não duvido nada que a gritaria geral que a Europa está fazendo seja para não fazer o acordo. A França não quer o acordo. Talvez isso seja aproveitado para não se chegar ao acordo. Ou pode demorar mais tempo para o Parlamento Europeu ratificar o acordo - três, cinco anos”.

Ao falar do projeto que dispensa licenciamento ambiental para o agronegócio, Blairo Maggi criticou o que classificou de “discurso agressivo” do governo. “O que eu acho é que o governo está com um discurso agressivo, mas não tomou nenhuma atitude até o momento. Até agora não tivemos nada de concreto, de ruim. Não mudou o licenciamento no país, não afrouxou regra nenhuma de fiscalização. No projeto sobre o licenciamento, e eu conheço tudo que está ali, não tem nada que aumente desmatamento, ele dispensa licenciamento para nova estrada. Não tem uma palavra no texto que prejudique o licenciamento ambiental no país”, declarou.

MINISTRA POUPADA

Na entrevista, Blairo Maggi poupou a ministra da Agricultura, Tereza Cristina: “Fiquei seis meses voluntariamente afastado, não sei o que está acontecendo lá desde que saí de Brasília. Mas o que ouço é que a ministra [Tereza Cristina] está indo muito bem, ela consegue andar no meio desse radicalismo todo”.

MOTOSSERRA DE OURO

Maggi, que recebeu no passado o título de "Motosserra de Ouro" pelo desmatamento em Mato Grosso, foi instado pelo jornal a dar algum conselho ao presidente Jair Bolsonaro sobre questões relacionadas ao tema. Ele defendeu diálogo. “Fui criticado na época mesmo, mas depois chamei os agricultores, frequentei fóruns mundiais de ambiente e comecei a estabelecer algumas metas, parâmetros para a questão ambiental e nos últimos anos conseguimos [setor de agronegócios] conciliar discurso de preservação com produção. E avançamos. Agora, o Brasil já tinha avançado. O problema é que o "agro" é sempre o mais prejudicado num discurso que não é adequado. E o discurso do governo está distante da realidade”, argumentou.

FUNDO AMAZÔNIA

E reforçou a tese sobre o Fundo Amazônia, que o governo federal atualmente praticamente abre mão dos recursos ao confrontar países como Alemanha e Noruega, que financiam projetos. “O Brasil deve reclamar a soberania sobre o ambiente, mas tem como compor com outros países. Acho que o país não precisa do dinheiro do Fundo Amazônia, não resolve nada, só ficamos em posição de débito. Quase nada chega a quem interessa, quem precisa. Tudo vira viagem, estudos, relatórios, congressos. Vá no interior da Amazônia em qualquer município e pergunte se alguém recebeu algum benefício por abrir mão do "progresso" em nome da preservação. Agora, sou defensor de um fundo mundial para repassar uma saúde e educação de qualidade a esses brasileiros da floresta. Um fundo que pudesse fazer com que o dinheiro chegasse na ponta para quem abre mão do desmatamento. As pessoas que estão na beira do Rio Amazonas, por exemplo, não ganham nada.”

ÍNDICES DE DESMATAMENTO

Blairo Maggi foi perguntado sobre a responsabilidade do agronegócio em relação aos índices de desmatamento. Sua resposta foi essa: “Mais uma vez o agronegócio brasileiro apanha sem nenhuma mudança ter ocorrido de fato. Não mudamos os processos internamente. O governo não deixa de ter razão em algumas coisas e os dados sobre desmatamentos têm algumas incorreções sim, mas o problema é a forma que ele expõe isso. Na época que fui governador, fiz um embate gigante com a então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Ela disse que existia um desmatamento gigante em Mato Grosso. Então visitamos todos os pontos de desmatamento apontados pelo governo. Fui ao Palácio do Planalto, reclamei com o Lula [ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva]. Mostramos por satélite que vários desmatamentos alegados na verdade estavam em áreas de rocha, degradadas, fora de propriedade.” (Com informações do Valor Econômico)

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